Lisboa, outubro de 1877
Caro amigo Carlos da Maia
Escrevo-lhe
esta última carta com o propósito de me despedir daquele que eu julgava ser o meu
grande amigo.
Chegou-me, recentemente, aos meus discretos
ouvidos, característica que está de acordo com o nível da minha educação, que
já não me suporta e rejeita a minha companhia (não vale a pena estarmos com
segredos mesquinhos), mas não se preocupe, pois não será tão cedo que voltarei
a colocar os meus pés (que você tem a ousadia de considerar “cobardes”), no
solo do Ramalhete. Sim, é verdade que foi da minha pessoa que surgiu a notícia
n’A Corneta do Diabo. Também é da
minha autoria a denúncia feita ao senhor Castro Gomes, através de uma carta
anónima, acerca do seu envolvimento com Maria Eduarda. Soube isto e obrigou-me
a escrever uma carta onde tinha de confessar que eu é que era um bêbado presunçoso.
Isto só demonstra o caráter fraco, sem dignidade, sem coragem, convencido e mentiroso
que o senhor possui.
A verdade é que eu fui sempre seu amigo, eu dei-lhe
a conhecer o amor da sua vida, que, felizmente, o meu acarinhado tio se
encarregou de destruir. Fui inevitavelmente forçado a tomar todas aquelas
medidas e a pagar com a mesma moeda a traição que você me fez. O Carlos, meu
caro, não representa corretamente a classe social a que pertence. Não passa de
um parasita da sociedade, boémio, leviano, fofoqueiro, um preocupado com a
imagem, querendo ser sempre o centro das atenções e dos pensamentos dos outros.
É por causa de senhores luxuosos como o Carlos que a sociedade portuguesa não
evolui ao ritmo da francesa. E é para lá que me dirijo, para a terra dos
verdadeiros pensadores e filósofos emancipados, para a terra de Voltaire e
Zola. Talvez, aí, eu escreva um livro com o nome de “Amigos e Traições”, que será facilmente compreendido pelo
público-leitor, ao qual, certamente, não precisarei de explicar o título.
Estou farto das infinitas intrigas pelas quais o
senhor Carlos da Maia e seu amigo, João da Ega, se sentem fascinados. Esse é
outro (maldito o dia em que nos apresentou), esse cobarde incapaz de resolver
os seus problemas com as suas próprias mãos e, para além de não os resolver, só
os cria: veja-se o caso com a Cohen.
Enfim, pode
ser que um dia sejamos novamente amigos, tal como éramos antes de Maria Eduarda
se intrometer no nosso caminho. Venha-me visitar a Paris, mas venha sozinho. Eu
estarei a segurar nos dedos uma cigarrete,
à espera do seu pedido de desculpas.
Dâmaso Cândido de Salcede
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