sexta-feira, 27 de maio de 2016

Os Maias: Carta de Dâmaso a Carlos


Lisboa, outubro de 1877

Caro amigo Carlos da Maia

 Escrevo-lhe esta última carta com o propósito de me despedir daquele que eu julgava ser o meu grande amigo.

Chegou-me, recentemente, aos meus discretos ouvidos, característica que está de acordo com o nível da minha educação, que já não me suporta e rejeita a minha companhia (não vale a pena estarmos com segredos mesquinhos), mas não se preocupe, pois não será tão cedo que voltarei a colocar os meus pés (que você tem a ousadia de considerar “cobardes”), no solo do Ramalhete. Sim, é verdade que foi da minha pessoa que surgiu a notícia n’A Corneta do Diabo. Também é da minha autoria a denúncia feita ao senhor Castro Gomes, através de uma carta anónima, acerca do seu envolvimento com Maria Eduarda. Soube isto e obrigou-me a escrever uma carta onde tinha de confessar que eu é que era um bêbado presunçoso. Isto só demonstra o caráter fraco, sem dignidade, sem coragem, convencido e mentiroso que o senhor possui.

A verdade é que eu fui sempre seu amigo, eu dei-lhe a conhecer o amor da sua vida, que, felizmente, o meu acarinhado tio se encarregou de destruir. Fui inevitavelmente forçado a tomar todas aquelas medidas e a pagar com a mesma moeda a traição que você me fez. O Carlos, meu caro, não representa corretamente a classe social a que pertence. Não passa de um parasita da sociedade, boémio, leviano, fofoqueiro, um preocupado com a imagem, querendo ser sempre o centro das atenções e dos pensamentos dos outros. É por causa de senhores luxuosos como o Carlos que a sociedade portuguesa não evolui ao ritmo da francesa. E é para lá que me dirijo, para a terra dos verdadeiros pensadores e filósofos emancipados, para a terra de Voltaire e Zola. Talvez, aí, eu escreva um livro com o nome de “Amigos e Traições”, que será facilmente compreendido pelo público-leitor, ao qual, certamente, não precisarei de explicar o título.

Estou farto das infinitas intrigas pelas quais o senhor Carlos da Maia e seu amigo, João da Ega, se sentem fascinados. Esse é outro (maldito o dia em que nos apresentou), esse cobarde incapaz de resolver os seus problemas com as suas próprias mãos e, para além de não os resolver, só os cria: veja-se o caso com a Cohen.

Enfim, pode ser que um dia sejamos novamente amigos, tal como éramos antes de Maria Eduarda se intrometer no nosso caminho. Venha-me visitar a Paris, mas venha sozinho. Eu estarei a segurar nos dedos uma cigarrete, à espera do seu pedido de desculpas.


Dâmaso Cândido de Salcede

Trabalho realizado por Tiago Tomás, 11º E1








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