sexta-feira, 27 de maio de 2016

Os Maias: Carta de Afonso a Carlos da Maia


outono de 1877

                                Meu Carlos

Escrevo-te esta carta com palavras sofridas, pois sei que este corpo batalhou o tempo que lhe competia e em breve irá jazer num pedaço de terra, naqueles ares onde te criei. Mas falhei, meu Carlos, falhei contigo e com esta família.  

Ficaste a meu cuidado quando teu pai provara a fraqueza do sangue após o abandono de tua mãe, mas jurei, meu neto, que iria criar em ti um homem forte, resistente à mudança e às bastonadas que sofremos nesta vida, que eu tive tão longa. Toda a minha experiência não me ajudou a prevenir-te ou, até, a privar-te deste cenário em que vives, deste conflito de amor e culpa que ainda agora vi nos teus olhos, quando nos cruzámos no corredor. Mas, meu neto, tem força, tem garra, isso te imploro, que a tua alma é forte (a alma de um verdadeiro Maia) e evitará que caias em desgraça como o teu pai. Sei que foste exposto a uma sorte indesejável a qualquer homem, mas eduquei-te para que fosses capaz de a combater.

Apoia-te em Ega, pois ele é fiel e leal e tenho a certeza de que sempre estará a teu lado. Preserva-o, rapaz, preserva a vossa amizade, pois te garanto que muitas vezes te irá fazer falta e a ela irás recorrer. E diz ao nosso revolucionário, ao nosso poeta realista, que continue vívido, perspicaz e audaz como sempre foi, que esta sociedade portuguesa precisa de homens que lutem, como ele.

Em relação a Maria Eduarda, minha neta, sim, pois, de facto, é minha neta, aqui deixo por escrito que, sendo filha legítima de Maria Monforte e de Pedro da Maia, tal como seu irmão, Carlos da Maia, tem direito a uma igual parte da herança que deixo como espólio. Sei que nunca tive possibilidade de conhecer esta criança, que hoje é mulher, mas, se tu lhe tiveste e tens apreço, decerto merece ser reconhecida como elemento direto da família dos Maias. Se conseguires, diz-lhe que, mesmo não a conhecendo, sinto-me honrado em considerá-la minha neta.

Bem, Carlos, aqui chego à parte final da minha carta. Quero que saibas que, em todas as decisões que tomaste, todas as iniciativas que tiveste e todo o caminho que percorreste me deixaram a transbordar de orgulho, um orgulho que me levou, pelos anos, como o homem leva o touro. Trouxeste-me alegrias inexplicáveis em tão poucas palavras e peço-te que continues com os teus projetos, com as tuas viagens, que evoluas e que faças evoluir.

És um Maia e a melhor referência que já passou por esta família, já cansada e com tanta história para contar. Toma conta de ti, cai, mas levanta-te! “Ele morre”, como dizia Shakespeare, e é verdade, partirei, mas levo o peito inchado e o orgulho de ter um neto como tu, meu Carlos mata-sete.

          Com carinho, a despedida de teu avô

          Afonso da Maia.

Maria Beatriz Macedo, 11º C1

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