outono de 1877
Meu Carlos
Escrevo-te esta carta com palavras
sofridas, pois sei que este corpo batalhou o tempo que lhe competia e em breve
irá jazer num pedaço de terra, naqueles ares onde te criei. Mas falhei, meu
Carlos, falhei contigo e com esta família.
Ficaste a meu cuidado quando teu pai
provara a fraqueza do sangue após o abandono de tua mãe, mas jurei, meu neto,
que iria criar em ti um homem forte, resistente à mudança e às bastonadas que
sofremos nesta vida, que eu tive tão longa. Toda a minha experiência não me
ajudou a prevenir-te ou, até, a privar-te deste cenário em que vives, deste
conflito de amor e culpa que ainda agora vi nos teus olhos, quando nos cruzámos
no corredor. Mas, meu neto, tem força, tem garra, isso te imploro, que a tua
alma é forte (a alma de um verdadeiro Maia) e evitará que caias em desgraça
como o teu pai. Sei que foste exposto a uma sorte indesejável a qualquer homem,
mas eduquei-te para que fosses capaz de a combater.
Apoia-te em Ega, pois ele é fiel e
leal e tenho a certeza de que sempre estará a teu lado. Preserva-o, rapaz,
preserva a vossa amizade, pois te garanto que muitas vezes te irá fazer falta e
a ela irás recorrer. E diz ao nosso revolucionário, ao nosso poeta realista,
que continue vívido, perspicaz e audaz como sempre foi, que esta sociedade
portuguesa precisa de homens que lutem, como ele.
Em relação a Maria Eduarda, minha
neta, sim, pois, de facto, é minha neta, aqui deixo por escrito que, sendo
filha legítima de Maria Monforte e de Pedro da Maia, tal como seu irmão, Carlos
da Maia, tem direito a uma igual parte da herança que deixo como espólio. Sei
que nunca tive possibilidade de conhecer esta criança, que hoje é mulher, mas,
se tu lhe tiveste e tens apreço, decerto merece ser reconhecida como elemento
direto da família dos Maias. Se conseguires, diz-lhe que, mesmo não a
conhecendo, sinto-me honrado em considerá-la minha neta.
Bem, Carlos, aqui chego à parte final
da minha carta. Quero que saibas que, em todas as decisões que tomaste, todas
as iniciativas que tiveste e todo o caminho que percorreste me deixaram a
transbordar de orgulho, um orgulho que me levou, pelos anos, como o homem leva
o touro. Trouxeste-me alegrias inexplicáveis em tão poucas palavras e peço-te
que continues com os teus projetos, com as tuas viagens, que evoluas e que
faças evoluir.
És um Maia e a melhor referência que
já passou por esta família, já cansada e com tanta história para contar. Toma
conta de ti, cai, mas levanta-te! “Ele morre”, como dizia Shakespeare, e é
verdade, partirei, mas levo o peito inchado e o orgulho de ter um neto como tu,
meu Carlos mata-sete.
Com carinho, a
despedida de teu avô
Afonso da Maia.
Maria
Beatriz Macedo, 11º C1
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