terça-feira, 18 de abril de 2017

Desabafos de Carlos Eduardo

Caderno Pessoal

CARLOS EDUARDO DA MAIA

Lisboa, 17 de novembro de 1875
                Caro Diário

                        Escrevo-te à luz trémula de uma vela, a uma hora alta da madrugada. O dia de hoje pareceu-me ter durado toda uma vida, de tão extenso e exaustivo que foi. Tal como todos os outros dias da minha vida, teve os seus altos e baixos. Contudo, foram os altos que me deixaram voar sobre os homens, como uma ave livre e majestosa, e foram os baixos que me deixaram contactar com as profundezas mais obscuras do Inferno.
                        Por onde começar? Talvez a ordem cronológica fosse a mais indicada para esta narração. Bem, de manhã, enquanto pensava nela, vieram ter comigo o Vilaça e o avô, que me deram notícias e convites aos quais não prestei atenção. Acho que os Gouvarinhos me convidaram para um jantar na casa deles… De qualquer modo, não sei se irei. A condessa não me deixa em paz. Depois, chegou o João, com as suas ideias loucas. Queria uma espada para levar à soirée dos Cohens. Enfim, lá tive de lhe conceder o favor. Afinal, para que servem os amigos?
                        Então, antes que eu pudesse sair, apareceu o Dâmaso, num verdadeiro estado de pânico. Ver aquela figura gorda e esbaforida, em pânico, a esbracejar, chamando-me, abriu-me um pequeno sorriso na cara. Ele precisava de ajuda. Bem, não era ele. Era a filha dos Castro Gomes. Era a filha dela, a menina Rosa. Partimos para o Hotel Central, com o Dâmaso a falar dos assuntos dele e comigo a fingir que prestava atenção. Ela era mais importante. Estaria ela lá? Não, segundo o que me disse o Dâmaso. Todavia, valia a pena fazer a visita, pois podia ficar a conhecê-la um pouco melhor.
                        Quando lá chegámos, fomos cumprimentados por Miss Sara, muito simpática mas nervosa com Rosicler. Ainda antes de tratar da menina doente, reparei no quarto dela. Acho que nunca me senti tão… apaixonado? Será esta a expressão certa? Talvez apenas quando a vi pela primeira vez me tenha sentido melhor. É um sentimento estranho, de familiaridade incógnita, como se me parecesse conhecê-la, apesar de nunca ter falado com ela. Ela é tão perfeita que o seu casaco se ajusta às suas formas como uma luva de seda numa delicada mão. É este o sentimento que tenho por ela? Como é que esta mulher me pôde enfeitiçar, me pôde deixar neste estado romântico tão debilitante e assustador? Sinto que não consigo desviar o pensamento dela, sinto que a vejo em todas as pessoas que cruzam a esquina, que saem das tipoias, que entram nas lojas… Enfim! Sinto-me receoso… Se eu não a conhecer… Como é que irei ultrapassar essa dor? Sinto-me estranho, diferente… Não me sinto como sendo eu mesmo!
                      Depois de ter tratado Rosicler, que se mostrou uma menina muito simpática e engraçada, com uns olhos azuis muito diferentes dos do Castro Gomes e dos dela…, voltei para casa com o Dâmaso, que me deu a melhor notícia do dia: o brasileiro ia voltar para a sua pátria, e ia deixá-la com a filha e as criadas. Oh, que bela oportunidade! Qual seria a melhor altura para a conhecer?
                        Despedi-me do Dâmaso e vim para casa. Afinal, hoje era a soirée dos Cohens e tinha de ir vestido a rigor. Decidi disfarçar-me de dominó, um clássico intemporal. Quando estava a sair, eis que vejo a figura mais triste e cómica dos últimos tempos: Mister João da Ega, disfarçado de Satanás, ou Mefistófeles, com vestimenta vermelha e com uma cara ainda mais vermelha e triste devido ao choro.
                        O Ega chorava porque tinha sido humilhado na casa dos Cohens. Afinal, o Cohen descobriu que ele e a sua mulher, Raquel, tinham uma relação amorosa, e expulsou-o à bengalada. Ele estava completamente desolado e, ora se dava por derrotado e destruído, ora jurava morte ao Cohen por tê-lo humilhado. O certo é que a reputação dele foi arrasada com este incidente. Fomos cear a casa do Craft, pois de certeza que ele tinha bons conselhos a dar. Ele disse-nos que devíamos esperar e ver o que o Cohen fazia: quem tinha cometido o erro era o João e não o marido traído. Depois da ceia, ficou claro que o João tinha bebido um pouco de vinho a mais, pelo que o deixei em casa do Craft em vez de o trazer para a Vila Balzac. Acho que ele também não iria gostar de voltar para casa – a casa dos Cohens era em caminho e o comportamento daquele diabo bêbedo era imprevisível.
                        Por isso, vim sozinho para o Ramalhete e aqui me encontro, diante de ti, a relatar-te tudo o que aconteceu hoje. Acho que o dia de amanhã me reserva mais trabalhos e surpresas – tenho de ir buscar o Ega a casa do Craft, para ver se descobrimos o que o Cohen quer e para ver, afinal, o que aconteceu. Pode ser que ele se torne racional depois da tristeza e do álcool. Agora, acho que me vou recolher à cama. Começo a pensar nela outra vez. Vou sonhar com ela hoje, certamente.





Carlos da Maia

Pedro Silva, 11º C1

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