Que sentiria Álvaro de Campos, se pudesse ver, nos dias de hoje,
a Lisboa que sempre tanto adorou?
Ao ver a grandiosa e moderna Lisboa assim, cheia de invenções e artimanhas a explorar… decerto que a exaltação e o pasmo atingiriam um nível extremo, passaria horas a saltar de canto para canto, a espreitar e a tentar incluir tudo no seu campo de visão.
Oh, que entusiasmo para começar a escrever! Na sua típica aceleração, iria querer visitar todos os lugares por onde sempre andou.
Assim, no Largo do Carmo, encontraria a faceta familiar da Igreja do Carmo, mas, ainda muito mais importante, toda a nova arquitetura, cafés, lojas e tantos outros edifícios que tomaram conta da cidade. Tantas pessoas, tantos novos costumes. Passaria, então, pelo Largo de São Carlos, onde se relembraria da sua velha casa, ao pé do rio, onde nasceu.
Sentimentos de vulnerabilidade e de nostalgia tomariam conta de si, porém, não se deixaria atrapalhar, havendo muito mais para ver. Andaria até ao Largo do Chiado e, para seu espanto, no meio de tanta inovação, o seu velho café, A Brasileira, ainda existe, que espanto! Como sobrevivera tal local, no meio de tanta modernidade?! Reconfortante, no entanto, pois sempre escreveu e conviveu lá. E a Basílica de Nossa Senhora dos Mártires? Ah, os sinos! Som da sua infância. A Baixa: tanto para dizer, tanto para sentir! Onde trabalhou tantos anos, na rua onde se encontram a sua prezada tabacaria, o seu restaurante.
As emoções sobrecarregam-no. Que será feito de sua velha inimiga, Ofélia? Enfim, terá, claro, de ir até à Praça da Figueira, “Lugar inexplicavelmente belo”, pensa para si. Ao passar pelos velhos Café Nicola e Martinho da Arcada, não consegue deixar de se questionar como perduram no meio da amálgama da atualidade. Obviamente, o seu querido Tejo ainda existe, e esse, sim, tem sentido de existir.
“Aproveitar o tempo!
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!...
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisa,
A poeira de uma estrada involuntária e sozinha,
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras,
O pião do garoto, que vai a parar,
E oscila, no mesmo movimento que o da alma,
E cai, como caem os deuses, no chão do Destino.”
Álvaro de Campos, “Apostila”
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