Última carta de Afonso da Maia a Carlos da Maia
Ramalhete, 19 de outubro de 1875
Carlos, meu neto,
Escrevo-te esta carta porque não me tenho sentido
muito bem e ambos sabemos que já sou velho e que tenho o coração debilitado. A
maior razão desta carta não é para te dizer isto, mas, sim, para esclarecer
certas coisas, Carlos.
Meu neto, tu sabes que eu te amo muito. Sei que fui
rígido, às vezes, mas fazia tudo parte da tua educação. Tu eras e, apesar de
tudo, continuas a ser a minha esperança para que esta família continue presente
no mundo. Mas, Carlos, esta é a hora de ser rígido novamente. Eu dei-te a
melhor educação, eu dei-te valores e princípios, eu ensinei-te a ser um
cavalheiro, mas não posso deixar de dizer que me desiludiste muito nestes
últimos tempos.
Eu sabia que andavas perdido de amores por uma
senhora, eu sei que passaram o verão juntos e estava feliz por ti, meu neto,
muito feliz, mesmo, esperava apenas que me viesses falar dela, o que,
simplesmente, nunca aconteceu. Até que, há uns dias, vieste procurar-me, mas, infelizmente,
os motivos não foram os melhores. E o pior é que não contaste toda a verdade.
Eu sei que pensas que eu desconheço que a minha neta,
que descobrimos há muito pouco tempo que
o é, é também a mulher por quem estás apaixonado, mas, Carlos, eu sei que é a
mesma mulher e é ai que eu, o teu avô, a tua única família, estou desiludido
contigo.
E, Carlos, não é por teres tido um caso com esta
mulher de nome Maria Eduarda que eu estou desiludido, porque todos temos o direito
de ter tais casos e tais paixões. Mas a razão desta minha tristeza é por não
teres acabado com o caso, pois continuas a ir ter com ela, tu dormiste com ela
mesmo depois de saberes toda a verdade. Deves estar a perguntar como é que eu
estou a par dos teus encontros, mas posso dizer-te que mandei uma pessoa atrás
de ti. Sim, Carlos, eu tive que chegar a isto. Ao que tu me fizeste chegar,
Carlos! Mas teve que ser, pois, por mais que eu perguntasse ao teu amigo Ega,
ele desmentia tudo e protegia-te. É normal, ele é teu amigo e, por isso,
mantêm-no sempre por perto, meu neto, sempre por perto, porque amigos como ele
há poucos.
Eu acho que tu não percebes a dor que me causas. Eu
já vivi tanto, já sofri tanto e enfrentei tantas coisas, mas nenhuma foi tão
difícil como esta. Tu tens um caso com a tua irmã! Eu sei que também não
sabias, mas, mesmo depois de o saberes, tu continuas a encontrar-te com ela.
Isso é incesto, Carlos, incesto! E é aí, Carlos, que tu me desiludes. Eu não te
ensinei a seres imoral, esta não foi a educação que te dei. Carlos, eu sei que
todos os homens erram, mas este teu erro podia ter sido evitado.
E este teu velho avô está mesmo magoado contigo.
Não só pelo erro que cometeste mas também por me teres escondido tudo, por
teres preferido mentir-me em vez de me contares a verdade e acredita que saber
das coisas como soube foi muto pior.
Mas Carlos,
nós havemos de ultrapassar isto. E eu amo-te tanto, meu neto, tanto. E este
velho, que já passou por ventos e tempestades, não se sente mesmo nada bem, não
sei se é da velhice ou da mágoa. Repito, Carlos, o teu velho avô não se sente
nada bem…
Teu avô: Afonso da Maia
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