Lisboa, 15 de maio de 1877
Meu querido neto,
Quando leres esta carta,
provavelmente já não estarei cá. Terei partido para um lugar diferente daquele
em que vivemos, onde as pessoas não vivem da ociosidade e da corrupção, da
mentira e da fraqueza. Enfim, num mundo sem a nossa sociedade.
Após a morte do meu adorado filho
Pedro, uma enorme desilusão apoderou-se de mim. Sofri, em silêncio, os anos
passados na sua ausência, desde que ele se casou contra a minha vontade e
partiu para Itália, com a tua mãe, mais conhecida como a “negreira”. A sua
educação superprotetora, a morte de sua mãe e a fuga de Maria com o italiano
foram os motivos da sua desgraça. Quando Maria o abandonou, o meu querido filho
veio pedir-me perdão e trouxe-te com ele. Observando os teus olhos, iguais aos dele, ergui-te nos meus braços e percebi que eras a minha
responsabilidade, que tinha de cuidar de ti, proporcionando-te aquilo que não
consegui proporcionar no passado ao teu pai: uma boa educação, à inglesa.
Entretanto, os anos foram passando,
cresceste, fizeste-te um verdadeiro homem, lutaste pelos teus desejos e
ambições, tiveste muitos romances e aventuras pelo mundo, viveste a tua vida
como sempre idealizei, até ao momento, em que te apaixonaste pela tua própria
irmã, afundando-te na tua desgraça. Pedi que te seguissem, pois quis acabar
com esta angústia, que a cada dia era maior. Noites passadas fora de casa.
Noites passadas com a tua irmã. Noites passadas a fazer a cama onde hoje te
deitas.
A
minha jornada está próxima do fim, mas a tua não, Carlinhos, ainda tens muita
vida pela frente. Nunca te esqueças da educação que tiveste, de todas as
pessoas que te acompanharam e apoiaram, de mim, que não desisti de ti, quando o
teu pai te deixou nos meus braços. Ainda existe tempo para mudar o futuro, para
evitar erros e tragédias. Ainda existe tempo para contares a verdade a Maria
Eduarda. Ainda existe tempo, e o tempo cura tudo.
Teu avô: Afonso da Maia
Sem comentários:
Enviar um comentário